O Licenciamento Arqueológico e sua Importância na Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural
Osmar Hilário | Postado em |
A Arqueologia é a ciência que busca entender o modo de vida dos grupos humanos através dos remanescentes materiais por eles deixados, sejam objetos e estruturas confeccionados por processos complexos, suportes naturais alterados de forma expedita, modificações na paisagem e até mesmo os nutrientes que compõem o solo. Todos esses vestígios podem ser objeto de estudo do arqueólogo na busca por informações que auxiliem no entendimento das transformações culturais, tecnológicas e ambientais de determinado quadro regional.
A Lei Federal nº 3.924, publicada em 26 de julho de 1961, coloca o patrimônio arqueológico no Brasil sob a guarda do Poder Público e esclarece que a propriedade da superfície não abarca as jazidas arqueológicas ou os objetos de interesse arqueológico nela depositados. Esses entendimentos são reforçados pelos artigos 20, 23 e 216 da Carta Magna de 1988. Nesse sentido, por se tratar de bem de interesse público, protegido pela União e componente intrínseco do meio ambiente, os estudos para proteção e gestão do patrimônio arqueológico se fazem necessários nos processos de licenciamento ambiental. Para isso, há diplomas normativos específicos como a Portaria Interministerial nº 60/2015 e a Instrução Normativa IPHAN n° 001 de 25 de março de 2015.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é a autarquia federal responsável pelo registro, gestão e proteção dos bens arqueológicos no Brasil e deve atuar como órgão interveniente nos processos de licenciamento ambiental, seja em âmbito federal, estadual ou municipal.
Como funciona o Licenciamento Arqueológico?
Os processos de licenciamento ambiental, sob a perspectiva do Patrimônio Arqueológico, que visam à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou degradadora devem tramitar no IPHAN, de acordo com a legislação federal vigente. Estados e municípios podem inventariar e tombar bens arqueológicos, inclusive solicitar estudos específicos sobre avaliação de impacto ou requerer condicionantes associadas à preservação desses bens. Entretanto, apenas o IPHAN pode autorizar a descaracterização e obliteração de sítio arqueológico, além de anuir para a continuidade do empreendimento junto ao órgão licenciador.
Os detalhes sobre o processo de licenciamento ambiental no IPHAN serão tratados em outro artigo, mas caso o leitor queira acessar algumas informações de imediato, poderá fazê-lo por meio do fluxograma elaborado pelo Instituto, disponível através do link: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Fluxo_da_IN_01_15-Site_do_IPHAN-20-07-2015.pdf
Qual a importância do Licenciamento Arqueológico para a preservação do patrimônio histórico e cultural?
Pode-se justificar a participação da pesquisa arqueológica no licenciamento ambiental pela necessidade de resguardar o histórico de ocupação da área a ser impactada pelo empreendimento ou atividade. Esses dados, oriundos das pesquisas arqueológicas, podem, entre outras coisas, auxiliar na valoração de localidades e na autoestima de populações, ao passo que trazem à tona informações omitidas ou tratadas como desimportantes pelas elites dominantes e a história oficial.
Ainda sobre o licenciamento arqueológico, faz-se necessário ressaltar que há a possibilidade de resgatar/salvar os bens arqueológicos inseridos na Área Diretamente Afetada dos empreendimentos. Isso significa que, diferente do entendimento comum observado em falas de autoridades e empreendedores, a identificação de bem arqueológico não necessariamente impede o desenvolvimento de projetos econômicos. Corroboram com esta informação o fato de que dos 34151 sítios arqueológicos cadastrados, apenas 18 bens são tombados pelo IPHAN, sendo 6 sítios/complexos arqueológicos vinculados ao período histórico, 6 associados ao período pré-histórico e 6 coleções arqueológicas sob a guarda de museus. Nenhum destes 18 bens foram evidenciados em processos de licenciamento ambiental. Uma das justificativas para o baixo número de bens arqueológicos tombados pode ser observada na Portaria IPHAN n° 375/2018, que, em seu artigo 78, diz:
Art. 78. Considerando o caráter destrutivo de algumas pesquisas arqueológicas, bem
como a vigência da Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961, apenas em casos excepcionais o instrumento do tombamento será aplicado para a proteção de sítios arqueológicos.
Há ainda os exemplos dos sítios arqueológicos Cais do Valongo, situado na região portuária do Rio de Janeiro e reconhecido como Patrimônio Mundial pela UNESCO, recebeu cerca de um milhão de africanos escravizados em um período de 40 anos durante o século XIX, e o sítio arqueológico Pontal do Estaleiro, em Porto Alegre, que apresentou evidências de assentamento indígena pré-histórico, indicando uma data para o início do povoamento local mais recuada do que a apresentada pela história oficial do município. Estes dois sítios arqueológicos foram identificados no âmbito do licenciamento ambiental, não impediram a conclusão dos empreendimentos e ainda se tornaram ativos, ao passo que puderam compor a área de instalação e serviram como forma de marketing positivo para os empreendimentos.
Quem pode solicitar o Licenciamento Arqueológico?
Qualquer Pessoa Física ou Jurídica, responsável por atividade ou empreendimento com potencial poluidor, deverá apresentar ao IPHAN a Ficha de Caracterização de Atividade (FCA).
A FCA é a ferramenta que expõe ao IPHAN os detalhes do projeto a ser implantado e subsidia a emissão do Termo de Referência Específico, que indicará os estudos mínimos necessários para obtenção da anuência. Assim, pode-se dizer que quem solicita ou dispensa o estudo relacionado ao Patrimônio Arqueológico no âmbito do licenciamento ambiental é o próprio Instituto, pautado nos anexos I e II da IN IPHAN n° 001/2015.
Como é feita a fiscalização do Licenciamento Arqueológico?
A pesquisa arqueológica no campo do licenciamento ambiental, quando interventiva, deve ser aprovada pelo IPHAN após análise de projeto técnico com informações sobre a idoneidade técnico-científica da equipe executora, o potencial arqueológico da área de pesquisa, a metodologia a ser aplicada, a apresentação de endosso institucional para depósito dos bens arqueológicos em instituição autorizada, entre outros. É apenas após a aprovação do projeto e a publicação da portaria autorizativa, pelo Centro Nacional de Arqueologia, no Diário Oficial da União, que os levantamentos primários poderão ocorrer.
As atividades realizadas devem ser comprovadas por registros fotográficos, descrições e georreferenciamento das atividades de campo e dos bens identificados, e etc., e os dados obtidos deverão compor relatório técnico a ser avaliado pelo IPHAN.
Existe também a possibilidade de fiscalização in loco durante a execução da pesquisa, para averiguação do atendimento das atividades previstas no projeto, além de inspeções em obras e bens já registrados, para verificação de danos diretos ou indiretos ao Patrimônio Arqueológico.
Conclusão
O Licenciamento Arqueológico é uma medida importante para preservar o patrimônio histórico do Brasil e garantir que as atividades que possam afetar os sítios arqueológicos sejam realizadas de forma adequada e segura. Ele é obrigatório e sua fiscalização é constante, garantindo a preservação desses locais, seja de forma física ou através dos dados oriundos das pesquisas, para as gerações futuras.
1 Dados disponíveis em: https://www.gov.br/iphan/pt-br/patrimonio-cultural/patrimonio-arqueologico/cadastro-de-sitios-arqueologicos > acessado em 22/03/2023, às 16h12.
2 O tombamento corresponde a instrumento jurídico que impede a alteração de bens culturais de destacada relevância cultural, histórica, tecnológica ou religiosa de determinada localidade. Apenas bens materiais podem ser tombados.
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